FMVZ-Botucatu cria centro de triagem
para reintrodução de animais silvestres

Por Aline Grego e Sérgio Santa Rosa

Animal alojado no CentrofaunaEm breve, Botucatu deve se tornar referência numa área especialmente delicada das atividades de preservação ambiental: a re-introdução de animais silvestres na natureza. Graças a uma parceria da universidade com a iniciativa privada, através da empresa Anidro, acabou de ser aprovado junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o funcionamento do Projeto Centrofauna.

O Centrofauna é um centro de triagem, ou seja, um centro responsável por re-introduzir no meio ambiente animais silvestres capturados ilegalmente nas residências ou propriedades rurais. Quando os agentes do Ibama ou da polícia ambiental realizam uma apreensão, os animais são temporariamente encaminhados para os centros de triagem autorizados pelo Ibama.

Porém a grande novidade é que o Centrofauna introduz algumas inovações no modo de funcionamento dos centros de triagem com a intenção de torna-las padrão para a criação de instituições do tipo. "Criamos algumas ações que ainda não existem nos centros de triagem convencionais, pensando no bem estar dos animais. Esperamos que nosso modelo de atuação estabeleça um padrão que venha a ser exigido pelo Ibama para o funcionamento dos outros centros", conta o professor Nabor Veiga, do Departamento de Produção e Exploração Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp de Botucatu, responsável pelo setor de criação de animais silvestres dentro da faculdade e idealizador do projeto.

A atuação dos centros de triagem e especialmente do Centrofauna tem diversas etapas. O trabalho começa quando animais silvestres são apreendidos pelos agentes do Ibama ou pela própria polícia. Através de denúncias anônimas ou blitz eles vão até propriedades onde às vezes são encontrados verdadeiros viveiros de animais preparados para serem comercializados ilegalmente. Essas operações são mais freqüentes do que a população imagina. Vale lembrar que, em termos de rentabilidade, depois do tráfico de armas e do tráfico de drogas está o de animais silvestres, num preocupante terceiro lugar.

Quando o animal chega ao centro de triagem, tem que ser obrigatoriamente realizada a identificação taxonômica, ou seja a determinação do nome científico do animal. Se pertencer a uma fauna exótica não poderá, de forma alguma, ser reintroduzido na natureza. Ele será destinado a um guardião doméstico reconhecido pelo Ibama ou será enviado para seu país de origem.

A lei também obriga que seja feito um laudo de sanidade animal. Nessa etapa o Centrofauna introduz uma inovação, o estudo etológico, ou seja do comportamento animal. "Os estudiosos da área vão determinar o grau de mansidão do animal. Se o animal tem um baixo grau de mansidão, conclui-se que foi apreendido há pouco tempo. Do contrário, se ele for muito manso, pode-se concluir que ele já está há muito tempo preso. Em função do laudo que será emitido, ou o animal será devolvido à natureza ou será confiado a um guardião doméstico. Esperamos que a obrigatoriedade desse procedimento vire lei o mais rápido possível", explica o professor Nabor.

Os Setores de Identificação Taxonômica, de Sanidade Animal e de Etologia serão supervisionados por professores da Unesp e o trabalho de rotina será feito por estagiários e alunos de pós-graduação. A expectativa da faculdade é que esse envolvimento dos alunos estimule a produção de inúmeros trabalhos acadêmicos. No Setor de Identificação Taxonômica já está sendo criado um site, e faz parte do projeto a construção de um estúdio fotográfico adequado para fotografar animais não identificados e divulgar as imagens na internet. "Só de aves, que representam 92% das apreensões, existem 9.600 espécies no mundo. Se não conseguirmos identificar alguma, iremos pedir socorro enviando as fotos para instituições de pesquisas, observadores amadores de aves, universidades e divulgando-as no site para que a ajuda venha de fora", afirma o professor Nabor. No Centrofauna todo esse processo deve durar, no máximo, 48 horas. Esses três setores funcionarão na Fazenda Lageado, no área de produção de animais silvestres.

O próximo passo é o transporte dos animais, já devidamente anilhados (com pequenos anéis colocados nas pernas para a identificação), para o Setor de Manutenção onde foram criadas duas modalidades de viveiros, uma para animais em estado selvagem e outras para animais com alto grau de mansidão. A partir daí os animais podem ter três possíveis destinos: a pesquisa científica, a reintrodução na natureza ou os cuidados de um guardião doméstico.

Nessa etapa, o Centrofauna exibe outros diferenciais. O animal será destinado à pesquisa quando a própria Unesp ou qualquer outra instituição interessada requisitar. Para tanto a instituição interessada deve enviar um projeto, que será submetido à Câmara de Ética e Experimentação Animal que existe na FMVZ. Se aprovado será feito o pedido ao poder judiciário da comarca que decidirá sobre a liberação. Todas as ações a que serão submetidos os animais apreendidos dependem de autorização judicial.

Os animais com baixo grau de mansidão serão reintroduzidos na natureza. Para isso foi criado o Setor de Avaliação de Habitats, outra inovação do Centrofauna. Professores e alunos irão às propriedades rurais cujo proprietário manifestou interesse na soltura dos animais. A visita fará um levantamento das condições existentes nesse habitat. Segundo o professor Nabor a exigência mínima é que a propriedade esteja inserida numa bacia hidrográfica. "Será feita primeira uma análise da água, seguida de análises da flora e da fauna, para ver se há condições de soltar os animais. Um grupo de alunos e estagiários da Unesp, supervisionado por professores fará esse trabalho que é apenas o começo. A reintrodução é algo extremamente complexo. Precisamos ver a disponibilidade do animal fazer ninho e se alimentar. Na verdade, o animal serve como motivo para que nós possamos fazer todo um estudo ambiental nas propriedades. Já que o proprietário manifestou interesse em receber esse animal, caso não haja condições, nós vamos explicar o porque. Se há problemas na água ou na flora da propriedade, nós podemos propor que ele participe de projetos, como por exemplo, de reflorestamento de matas ciliares, que existem na Unesp de Botucatu. Explicaremos que, naquele momento é impossível fazer a introdução do animal, mas que se a propriedade for cuidada, dentro de algum tempo será possível. O animal é uma bandeira, que aproveitaremos para fazer ações". ambientais".

O contato com o proprietário será feito através da Prefeitura Municipal. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente será um endereço fixo onde o proprietário rural vai se inscrever no projeto. A Prefeitura também fará o cadastramento de quem for se candidatar a guardião doméstico.

Podem ser guardiões domésticos todos os cidadãos que desejem ter em casa um animal silvestre que não tem mais condições de retornar à natureza. Para que isso funcione da melhor maneira possível o Centrofauna introduziu mais uma novidade, o Setor de Educação Ambiental, através do qual as pessoas interessadas serão convocadas para participar de um programa de educação ambiental, que vai habilita-las para a função de guardião doméstico. Os cursos serão ministrados nos finais de semana e segundo o professor Nabor já estão sendo preparados por um professor e um grupo de alunos. "A pessoa que se prontificou a manter o animal será orientada sobre a melhor maneira de fazê-lo, com orientações sobre profilaxia e alimentação".

Quem quiser receber um animal, precisa inicialmente construir um viveiro de acordo com as especificações do grupo Centrofauna. Outra exigência é que o guardião doméstico será obrigado a permitir inspeções das instalações a qualquer momento e quando o animal morrer, o guardião terá por obrigação devolver o cadáver do animal.

A atuação do Centrofauna é um exemplo de união entre instituições diferentes em busca de benefícios para toda a sociedade. Além da Unesp, do Ibama, da Anidro, da Polícia Ambiental e do poder público municipal, o projeto também busca apoio do Poder Judiciário. Como a soltura dos animais só se dá mediante autorização judicial, os responsáveis pelo projeto estão fazendo um trabalho de conscientização junto às dez comarcas atendidas. "Cada dia que o animal passa confinado nos viveiros representa uma situação de desconforto. Sabemos que as comarcas são sobrecarregadas, mas nós temos que sensibilizar promotores, juízes e funcionários, porque trata-se de seres vivos", afirma o professor Nabor.

O professor Nabor Veiga ressalta que além de zelar pela preservação da fauna brasileira, o modelo de trabalho do Centrofauna pode proporcionar novas possibilidades de atuação para os alunos da FMVZ, como nas áreas de etologia e ornitopatologia, e identificação taxonômica. "Esperamos que tudo funcione bem e que o mais breve possível os centros de triagem funcionem nesses moldes. Todos tem a ganhar".


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