Grupo de pesquisa do IQ-Araraquara dá
importantes contribuições ao estudo das leveduras

Por Luciana Massi

Integrantes do grupo de pesquisa: Prof. Jafelicci (colaborador em um dos projetos), Profa. Laluce (coordenadora do grupo ) e Fernando (técnico de laboratório) sentados. Em pé, à partir da esquerda, alguns alunos do grupo Karen, Cláudia, Crisla, Maristela, Sandro e AngelaDocente do Instituto de Química da Unesp (IQ), campus de Araraquara, há 38 anos, a Profa. Dra. Cecília Laluce, professora titular junto ao Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, coordena o grupo de pesquisa que estuda os aspectos básicos e aplicados da utilização industrial de leveduras. Estes microorganismos são cultivados em destilarias para produção de etanol (álcool combustível) a partir do açúcar de cana. São também cultivadas a partir do melaço da cana-de-açúcar para serem usadas na fabricação de pães. Assim, são de extrema importância para a produção de álcool (álcool combustível e bebidas alcoólicas), além de outros produtos de grande interesse industrial até para a saúde e alimentação animal.

O grupo foi o primeiro a desenvolver uma pesquisa exaustiva sobre o isolamento de leveduras com características especificas (tolerantes ao etanol e temperatura) para estes tipos de processos, utilizando-se como fonte da diversidade microbiana o próprio mosto fermentado da produção de etanol combustível.

As leveduras são constituídas por células semelhantes às células de tecidos animais. A Profa. Cecília explica que processos biológicos complexos, como o processo do envelhecimento animal ou formação de tumores cancerígenos, podem ser estudados utilizando-se leveduras devido às semelhanças destas células com as células animais, entre as quais estão incluídas as células dos humanos.

"A levedura é o microorganismo mais conhecido do ponto de vista bioquímico e genético por causa da sua importância industrial ao longo da história da humanidade. Toneladas de leveduras são produzidas, diariamente em indústrias de bebidas, etanol combustível e em indústrias destinadas à fabricação de fermentos de pães" aponta a docente.

O microorganismo usado para produzir álcool é o mesmo usado na fabricação de pães. O fermento disponível no comércio nada mais é do que um microorganismo pertencente ao grupo das leveduras, cuja espécie é denominada Saccharomyces cerevisae. "Esta espécie cresce tão bem em açúcares que já vem sendo utilizada desde o início da civilização para fabricar bebidas (estes processos estão descritos até na Bíblia). Somente no século passado, o homem passou a isolar e utilizar as leveduras em processos fermentativos", explica Cecília.

"Até, então, a fermentação natural era realizada para a produção de bebidas. Sob tais condições, as leveduras competem com os outros microorganismos e passam a predominar no processo, evitando o domínio de organismos tais como as bactérias, que são responsáveis pelo surgimento de maus odores e redução no rendimento de produtos. Esse tipo de fermentação natural ainda é usada na fabricação do panetone", complementa.

Início da pesquisa

Foto ampliada das células de leveduras aderidas ao redor da bolha de ar, ainda imersa no líquidoAs pesquisas com leveduras foram iniciadas pelo grupo da professora Laluce na década de 80, partindo do pressuposto que leveduras com características específicas deveriam predominar após o uso sucessivo do mesmo fermento em destilarias. "Para a produção de etanol, por exemplo, as leveduras devem ser tolerantes ao etanol - que é tóxico em concentrações altas - e também resistir às altas temperaturas, pois nesta condição de temperatura elevada, o processo é bem mais rápido", comenta Laluce.

"Além disso, microorganismos que trabalham em temperaturas elevadas (acima de 300 C) permitem reduzir gastos com refrigeração e diminuir a duração do processo. O nosso grupo foi o primeiro a isolar essas leveduras graças a um financiamento conseguido junto a Fundação Banco do Brasil em 1989. Dessa pesquisa resultou um número grande de fermentos que foram repassadas para a empresa Fleishmann & Royal Ltda para a fabricação de fermentos para pães", explica a professora.

Atualmente, a pesquisa do grupo encontra-se bastante diversificada. No entanto, uma linha de pesquisa sobre a estabilidade genética de leveduras em processos conduzidos a altas temperaturas ou geração de diversidade em processos fermentativos encontra-se ainda em andamento.

Além disso, uma pesquisa sobre a identificação de leveduras selvagens que entram em competição com o fermento durante o processo de produção de álcool em temperaturas elevadas encontra-se também em andamento. "Uma levedura selvagem, já isolada durante este estudo, resiste a temperaturas maiores que 40° C, produzindo álcool a partir de glicose com grande velocidade e rendimento. A questão é que esta levedura não produz a enzima invertase que converte a sacarose em frutose e glicose", diz Laluce.

"No entanto, o problema poderá ser solucionado com a clonagem de um gene de invertase, utilizando-se esta levedura como hospedeira e para isto estamos procurando parceria junto a um grupo atuante em biologia molecular", completa.

Produção do bietanol cítrico

Um outro projeto de pesquisa em andamento no grupo visa estudar a produção do bioetanol cítrico, resultante da conversão do açúcar de águas residuárias da fabricação de suco de laranja em álcool. Este tipo de álcool goza de preferência por parte de perfumarias e indústrias de alimentos, pois é considerado um produto da proteção ambiental realizado pelo homem (embora o processo seja o mesmo usado para a produção do álcool combustível comum).

Este tipo de matéria-prima requer uma levedura capaz de utilizar a pectina (derivado de açúcar) da fruta cítrica. A pectina das frutas é usada como fibra digestiva e como agente gelatinizante em indústrias de alimentos. Há ainda dúvidas quanto à viabilidade do uso da levedura Saccharomyces cerevisiae para a produção de enzimas pectinolíticas.

"Os estudos em andamento em nosso laboratório vêm mostrando que certas linhagens da levedura Saccharomyces cerevisiae são capazes de produzir complexos pectinolíticos bastante resistentes a temperaturas e em quantidades consideráveis", comentam Luciana Malavolta, com tese de mestrado concluída em 2000 e Karen de Oliveira, com conclusão prevista para 2003.

O projeto de pesquisa mais recente do grupo ocupa-se dos estudos sobre o processo de separação de células por flotação. O fenômeno da flotação é comumente usado em tratamento de esgotos e separações de minérios, bem como na recuperação de corantes em indústrias de papel.

Do ponto de vista industrial, este processo é bastante conveniente quando se deseja separar células ou outras partículas de grandes volumes de líquidos. Mas a sua utilização, em separação de células nos processos industriais que utilizam leveduras, não é ainda praticada. Esta frente de pesquisa está sendo desenvolvida com a colaboração do Prof. Dr. Miguel Jafelicci Júnior, que orientou a tese de mestrado de Mauricio Gimenez Folsta concluída em 2003.

O professor Jafelicci coordena um grupo de pesquisa sobre química dos colóides e dos materiais no Departamento de Físico-Química do IQ. A flotação ocorre quando o ar é injetado na suspensão de células (ou suspensão de qualquer outra partícula coloidal) e uma espuma é formada na presença de substância com propriedades de detergente, arrastando as partículas de interesse para a superfície das bolhas de ar, que são mais leves e flutuam para a superfície do líquido.

Esta espuma rica em partículas é, então, coletada no topo da fase líquida (qualquer tipo de partícula ou moléculas e, até mesmo sais, podem ser acumulados na espuma). A aderência das células às bolhas de ar ocorre quando "a partícula que se deseja separar apresenta mais afinidade pelo ar do que pela fase líquida", explicou Laluce.

Hoje, a separação das células de leveduras é feita nas indústrias utilizando-se centrífugas (através da aplicação de rotações muito rápidas estes equipamentos depositam as partículas no fundo do recipiente submetido à rotação). "No entanto, esperamos ajustar o processo de flotação em destilarias de tal sorte que a levedura produtora de álcool seja seletivamente separada dos organismos contaminantes (flotação seletiva), como atualmente é feito para o enriquecimento de minérios de baixos teores", explicou a professora Laluce.

Ela enfatiza, ainda, que uma célula pode ser tratada como um biocolóide. "Mas os microorganismos têm sido, usualmente, ignorados como partículas coloidais pelos microbiologistas. Em diversos processos celulares, interações do tipo proteína-proteína ou proteína-ácido nucléico iniciam-se através de ligações químicas fracas na superfície destas moléculas gigantes", informa.

"O nosso grupo descobriu uma cepa de levedura bastante hidrofóbica, conforme consta na tese Foto em tamanho real da espuma separada no topo da fase líquida após secagemde mestrado de Maurício Palmieri, concluída em 1996. Uma tese de doutorado de Sandro de Sousa, concluída, recentemente, permitiu a padronização de uma coluna para medida de flotação em escala de laboratório e demonstrou que as propriedades da fase líquida de dispersão desempenham um papel mais importante sobre a flotação do que as propriedades da superfície da célula.

"A colaboração entre bioquímicos e físico-químicos no estudo envolvendo as estruturas celulares amplia os horizontes do Conhecimento de sistemas complexos da natureza fundamentados na Química, ciência que estuda também as ligações e interações da matéria", afirma o professor Jafelicci.

Leveduras destinadas a panificação

Além das pesquisas já citadas, este grupo também pesquisa as leveduras destinadas à panificação. Esta pesquisa tem por objetivo melhorar o processo de fabricação de pães, por meio de substâncias adicionadas à água de pré-lavagem da levedura prensada, vendida no comercio para fabricação de pães (tese de doutorado de Maristela F. S. Peres concluída em 2001). Estes aditivos recuperam as características da levedura, bem como, aumentam a vida de prateleira do fermento prensado.

Alguns estudantes (Priscila Amanda de Souza estudante de iniciação cientifica e Cláudia R. C. S. Tininis, tese de doutorado em andamento) estão desenvolvendo pesquisas para tornarem as leveduras mais resistentes ao processo de congelamento e estocagem da massa de pães a baixas temperaturas (massas congeladas). Esta linha de pesquisa tem gerado e exigido conhecimentos sobre a fisiologia das leveduras em situações de estresse (baixa quantidade de água, ausência de nutrientes). "Atualmente, muitas pesquisas sobre este assunto têm sido desenvolvidas em laboratórios de grandes empresas", comentou Laluce.

A professora ressaltou que todas os seus projetos de pesquisa são de importância mais econômica que acadêmica. Os temas são escolhidos com a idéia de fazer algo original. "Sempre gostei de fazer o que ninguém fez ainda, e muitas vezes sou penalizada por não perceberem o impacto do que está sendo pesquisado. Os estudos realizados com a levedura na forma prensada constituem um exemplo deste tipo de problema". Ela explicou ainda, que as pesquisas na área biológica (incluindo a Bioquímica) são muito demoradas por serem realizadas com organismos vivos. Problemas relacionados com contaminações, temperaturas elevadas, e variações, aparentemente, muito pequenas em fatores experimentais podem interferir nos resultados. Além disso, são pesquisas que requerem tempos longos de espera pelo crescimento do microorganismo e também muito manuseio "inclusive dedicação, persistência, cuidados e atenção".

A pesquisa conduzida, ao longo dos anos, pela professora Laluce, tem gerado algumas patentes, publicações em revistas internacionais indexadas e capítulos em livros de circulação internacional (dois capítulos em 2001). O fenômeno da flotação tem sido citado, com referencia especial ao nosso grupo, em um livro, também, de circulação internacional e dedicado a aspectos da biotecnologia e fisiologia das leveduras. A professora começou a pesquisar na década de 60 e, nesta época, os recursos (incluindo importações de regentes e equipamentos) eram muito escassos e a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) estava em fase inicial de incentivo à pesquisa. A professora lembra-se que transportava grandes volumes de sobrenadantes de culturas do microorganismo Streptomyces para serem centrifugados na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, pois não havia uma única centrifuga em sua instituição.

Lá, teve a oportunidade de saber da existência dos Sephadex, equipamentos trocadores de íons para purificação de amostras, podendo utilizá-los em suas pesquisas. Hoje são consideradas técnicas simples e de uso rotineiro em laboratórios de Bioquímica. Ela viajava pelo menos três vezes por semana para Ribeirão Preto. "Foram tempos muito difíceis e poucas publicações foram conseguidas num intervalo muito longo desta fase da carreira" disse a professora.

Aos alunos interessados em fazer Iniciação Científica a professora disse que "é um grande erro achar que trabalhar sem bolsa significa ser explorado pelo professor e pelos pós-graduandos, pois o grau de experiência adquirida na prática diária em um laboratório de pesquisa é algo precioso que o curso da graduação não pode proporcionar. Não tem preço! Se fosse aluna, hoje, trabalharia até sem bolsa e procuraria estagiar em laboratórios diferentes durante a graduação". No momento, o grupo coordenado pela professora não dispõem de mais vagas para estagiários de Iniciação Científica. No entanto, a oportunidade pode surgir dependendo da aprovação de projetos de pesquisa, sobretudo projetos de doutorado e pós-doutorado.

Como as leveduras produzem álcool?

As leveduras, assim como todos os animais (inclusive o homem), retiram o oxigênio do ar, durante o processo de respiração para oxidar os nutrientes (açúcar, gordura e proteína) liberando energia para todos os processos do organismo (desde piscar os olhos até correr quilômetros em distância) e gás carbônico (CO2). Em situações onde há falta de oxigênio, certos tipos células utilizam outra via de geração de energia, a chamada fermentação anaeróbica, onde o açúcar não é convertido totalmente a gás carbônico e água, sendo o álcool o seu produto de degradação parcial, no caso das leveduras.

Como uma quantidade menor de energia resulta desta degradação parcial, uma quantidade grande de álcool é acumulada para suprir as necessidades de energia das células. As leveduras, por exemplo, produzem álcool durante o processo de fermentação e liberam também o gás carbônico, que é o responsável pelas bolhas, presentes nas massas de pães que fazem com que elas cresçam e fiquem fofas.

O fígado humano também pode realizar os dois processos e a dor muscular que sentimos após fazer grandes exercícios físicos é devida ao acumulo de ácido láctico produto de fermentação. Dentro da massa de pães, a levedura tem acesso limitado ao oxigênio para realizar a respiração e passa a fermentar intensamente. A formação turbulenta de bolhas de gás carbônico durante a fermentação de açucares foi o que levou o químico Pasteur a atribuir o nome fermentação (agitar, em latim) a este tipo de processo.


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