Longe de casa

Universitários que deixam a mordomia de seus lares para estudar em outras
cidades adquirem novas responsabilidades e, com isso, aprendem a se virar sozinhos
Por Thiago Nassa

IlustraçãoQuase todos os jovens sonham com o ingresso em uma universidade - de preferência em uma instituição pública. Mas, normalmente, tal instituição de ensino não fica na mesma cidade onde grande parte dos pretendentes reside. Quando isso acontece, além de se dedicar aos estudos, os jovens têm um desafio a mais nesta nova empreitada. Trata-se da adaptação a uma mudança radical de vida. Os alunos deixam o conforto de seus lares e assumem novas responsabilidades, a partir do momento que vão viver sozinhos ou nas famosas repúblicas. Roupa lavada, cama arrumada e comida na mesa serão, portanto, coisas do passado. A aprovação no vestibular pode significar o fim da moleza e do aconchego da casa dos pais, se a faculdade ficar em outra cidade.

Na UNESP, cujos câmpus situam-se em 16 cidades espalhadas pelo Interior do Estado de São Paulo, boa parte dos alunos tem de encarar esta situação. É o caso de Rodrigo Mazzo, que cursa o quinto ano de Engenharia Civil no câmpus de Bauru. A casa de seus pais fica em São Paulo, mas ele mora fora desde 1997, quando do ingresso na UNESP. "No primeiro ano, fui morar com uma tia e tinha menos liberdade do que na minha própria casa, porém o conforto era praticamente o mesmo. Mas isso só durou um ano, pois fui para uma república em 1998", conta Mazzo. "Como trabalhava quando morava em São Paulo, o grande problema da mudança de vida foi o fato de não ter mais salário para me sustentar. Os meus pais foram obrigados a me bancar durante todo o meu curso", complementa.

A cidade de Bauru, no entanto, oferece uma boa qualidade de vida para os moradores. A população é de 300 mil habitantes e o município possui uma grande rede de serviços em geral (restaurantes, transporte, lazer etc), além de ter um índice muito baixo de criminalidade.

Hoje, Mazzo divide um apartamento com mais quatro pessoas e, segundo ele, o relacionamento é o melhor possível. "Dividimos as poucas tarefas que temos em casa. A regra é 'sujou limpou'. Não fazemos tanta comida, pois a nossa alimentação é feita em restaurantes. Alguns lavam roupa, mas as minhas eu levo para serem lavadas em São Paulo. E, uma vez por mês, contratamos uma faxineira", diz. "Não tive e não tenho grandes problemas com a vida em república. Só tive de me acostumar com tranqüilidade da cidade, já que estava habituado com o agito da capital", conclui.

Para Mazzo, viver longe dos pais está sendo uma grande experiência de vida. "Conhecemos pessoas diferentes e aprendemos a nos virar sozinhos. Adquirimos responsabilidade e crescemos com tudo isso. Eu diria que viver em república é um complemento dos estudos. A faculdade nos dá toda a técnica para sermos um bom profissional e a vida longe dos pais faz com que a gente cresça como homem-cidadão ", relata.

Para os jovens que sempre tiveram uma vida facilitada, com total apoio dos pais, a mudança pode ser complicada. "A transferência para outra cidade deve ser encara pelos alunos como uma oportunidade de crescimento", afirma o psicólogo Paulo Motta, do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada da UNESP, câmpus de Assis. "Os jovens entram em um novo momento. É uma fase que requer muita organização, mas que também cria um ambiente favorável à novas amizades e à novas experiências de vida. Sem dúvida nenhuma, esta situação faz com que os jovens amadureçam e isso ajuda na formação da personalidade das pessoas", complementa Motta.

Entretanto, para os alunos que não tiveram tantas oportunidades de conforto e que já lutam sozinhos pela sobrevivência, a mudança não será tão brusca. "É preciso entender que todos têm capacidade para superar desafios. Os mais preparados não vão sofrer tanto que os menos preparados", explica Motta.

Fredson de Paula e Silva está no terceiro ano de Medicina no Câmpus da UNESP de Botucatu e é um exemplo de sucesso. Ele saiu da casa dos pais bem cedo para tentar vencer na vida. Paula e Silva deixou a pequena cidade de Minaçu, no interior de Goiás, para se tornar um grande líder em Botucatu, que fica a 250 quilômetros de São Paulo e possui uma qualidade de vida semelhante a de Bauru.

Ele reside e é presidente da Mordia Estudantil da UNESP, um local que abriga 64 alunos, vindos de todas as regiões do Brasil, e que possui quartos, banheiros, cozinha, salas de computação e de TV e um campo de futebol. "Sou responsável pela manutenção e melhorias na Moradia. Para tanto, organizo assembléias com os moradores para discutir os planos e dividir as tarefas, além de promover reuniões com autoridades da cidade a fim de viabilizar nossos projetos de melhoria da qualidade de vida dos alunos", afirma.

A manutenção da moradia é feita com um esquema de escalas de trabalho, sendo que diariamente cada um executa uma tarefa. "Nós nos dividimos para limpar os prédios, arrumar os quartos, cozinhar e cuidar da fachada e da grama", diz. "Mantemos um ótimo relacionamento e vivemos como uma grande família", complementa.

Paula e Silva conta que a grande dificuldade que enfrentou com a mudança foi a adaptação a uma nova cultura. "O estilo de vida em Botucatu é muito diferente daquele que era acostumado no interior de Goiás, além do custo de vida ser um pouco mais alto. Mas está sendo uma ótima oportunidade para crescer e aprender", explica. "Um outro problema é a saudades de casa, já que visito meus pais de seis em seis meses por conta da distância", completa.

O psicólogo explica que morar na companhia de amigos é uma ótima oportunidade para exercitar o espírito de equipe. "Os alunos terão de conviver diariamente com os outros colegas, dividindo tarefas e responsabilidades. Isso gera um grande estímulo para o trabalho em equipe, o que é muito importante na vida profissional", comenta Motta. "Mas viver longe dos pais pode significar viver longe das ordens. Quando uma pessoa vai morar fora, ela ganha uma liberdade extra nunca antes concebida. O jovem pode relaxar e se tornar um relapso, já que não há uma cobrança dos pais, mas isso não é uma regra. Entretanto, esse jovem precisa entender que o grande responsável pelo próprio crescimento é ele mesmo", finaliza.


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